sexta-feira, outubro 22, 2010

OULU


(Oulu, 65º00'55'' N, 25º28'32''E) Para ir ao tecto do mundo existem várias opções, uma delas foi esta. Tenho alguma relutância em escrever de acordo com a nova ortografia. Deveria escrever tecto ou teto? Pensarão que escrevi com erro ortográfico? Hesito sempre em escrever as palavras novas. Quem lê pode pensar que escrevo com erros. Na verdade o gajo erra muito mas se calhar, caro leitor, a palavra que identifica como errada até pode estar de acordo com o acordo ortográfico.

São duas horas e dez minutos até Genebra, uma hora de espera no solo, mais duas horas e quarenta e cinco minutos até à capital finlandesa. A espera para o voo para Oulu será de sessenta minutos. Um pouco atrasado e sem bilhete de embarque para Helsínquia, pensei que pela primeira vez na minha vida iria perder um voo. Em Lisboa tinham-me dito para ir ao transfers e pedir aí o meu bilhete de embarque porque isto era um outro voo operado por outra companhia, a Finnair. Eu não sei onde é o transfers e não sei para que serve. Não liguei a Lisboa e fui logo para a porta de embarque. Na porta de embarque nem foi preciso falar. You come from TAP? Yes, e lá expliquei a situação em que me encontrava mas penso que não seria preciso pois olhei para os bilhetes que ela tinha na mão e eram os meus. Que eficiência. Eh falu português disse-me ela. Que sorte, pensei eu. Uma vez houve um espanhol que me disse que o português era uma língua exótica. Exótica é outra coisa, uma língua falada por mais de duzentos milhões de pessoas não pode ser exótica. Exóticos são vocês quando saem do reino de Espanha. Obrigadu foi a ultima palavra que ouvi antes de deixar Genebra. Obrigado respondi também. Foi a minha estreia neste país neutro. É uma merda ser neutro. Nem preto nem branco, nem sim nem não. Não sei, não conheço mas a Suíça sempre me lembrou comida sem tempero. De uma certa latitude para cima é tudo sem tempero. A Finlândia é sem tempero também.

Trouxe um jornal português comigo, o Público. Volta comigo também daqui a alguns dias. Eu sempre leio montes de coias ao mesmo tempo e volto atrás e passo os olhos por aqui e por ali e lembro-me de que vi qualquer coisa no jornal de há dois dias e tenho de ver outra vez. Os jornais também são bons, especialmente os gratuitos, para embrulhar a merdinha das minhas gatinhas. Elas não sabem, mas eu uso a merda delas para esfregar nas fotos de quem não gosto que encontro na imprensa velha. Deve ser a maior utilidade que se pode dar a essas pessoas cujo nome nem vou escrever aqui. Acho deselegante fazê-lo aqui. Nós os portugueses estamos muito sensíveis por estes dias, por estarem-nos a tirar coisas que certamente não nos deviam estar a tirar se tivessem sido um pouco mais cautelosos e dissessem a verdade na altura certa e não quando tem mesmo de ser. Agora não podemos acreditar que se possa ficar por aqui. Talvez daqui a umas semanas/meses sejam mais as medidas aplicadas.

Chegando quase ao polo norte ainda tenho um trabalho para fazer e enviar. Sempre encaro estas coisas como uma missão passageira, dias de picos em que é preciso desdobrar em esforço e fazer um pouco mais. É aborrecido trabalhar à uma da manhã mas não há alternativa mesmo.

Esqueci-me da máquina fotográfica em casa. Não haverá, pelo menos por agora, fotografias de Oulu no meu arquivo digital. Neste momento em que vos escrevo estou a uns quarenta minutos de Genebra em direção a Helsínquia. Nunca tinha tido duas escalas num voo.

A branquela ofereceu-me uma sandes e uma comida especial. Estou enjoado de comida de avião, de comida de restaurante, de comida de cantina. Hoje só me apetecia coisa fresca, como um kiwi, uma laranja, um maracujá, água fria, até uma banana caía bem. Que engraçado, o pacote de comida tinha o meu nome escrito. Senti-me importante por alguns segundos. É bom sentir-se importante, de vez em quando. Penso que se maior parte da nossa população se sentisse importante uma vez por outra Portugal era um país melhor, bem melhor. Infelizmente nem sempre vejo as melhores pessoas a se sentirem importantes em Portugal. O país está a saque e hoje ou ontem num zapping qualquer alguém dizia, estamos sempre a enriquecer os mesmos. Senti que aquelas palavras até poderiam ser vazias de argumentos mas que talvez estejam próximas da realidade.

Embora seja a minha primeira vez em Oulu, não sinto vontade de ajoelhar-me e beijar a terra. Foram quatro mil quilómetros para chegar aqui. Isto em campos de futebol, que é o paralelo que se costuma fazer, deve dar muito campo. O caminho mais próximo, usando o arco da circunferência máxima dá uns três mil seiscentos e sessenta e sete quilómetros. Uma poupança de quatrocentos quilómetros, dez por cento.

O quê que faz uma pessoa chegar a uma terra destas, à uma da manhã, com um frio de rachar destes? Eu saio para a rua de noite e regresso também de noite.

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