DIÁRIO DE BORDO
Querido diário, estamos no sétimo ano de viagem espacial. A tripulação morreu toda e o primeiro sinal de loucura neste texto é o facto de ter usado o plural na primeira frase.
As actividades programadas vão sendo mais ou menos feitas mas a distância ao Planeta que me viu nascer é impossível de sentir. Nem as fotografias, nem os sons da Terra me fazem sentir calmo.
Há um ano e pouco que devia ter chegado ao destino mas alguma coisa se passou mal na viagem. Talvez o giroscópio da nave esteja a funcionar mal. Ou então alguma coisa no software de navegação não esteja correcta. Não consigo perceber o que se passou de errado. As análises que fiz das opções tomadas parecem-me agora e sempre me pareceram as mais adequadas. A distância enorme impede-me de voltar para trás porque sinto-me mais próximo do fim do que do início embora o apelo do início me seja muito tentador. Mas o tempo não anda para trás e é para a frente que tenho de olhar.
Talvez o facto de ser o único sobrevivente seja uma tortura e não garanto que tenha ainda saúde mental. As comunicações à distãncia não correm muito bem e ninguém na Base me parece compreender. É difícil de transmitir o que sinto da maneira que sinto pois sou só eu a sentir. Nunca como agora percebi o sentido da frase NO MAN IS AN ISLAND.
Um dia um homem chegou ao terraço de um arranha céus e mandou-se para o chão. No caminho para a morte ouviu um telefone a tocar e arrependeu-se do que fez. Alguém que alguma vez venha a ler esta mensagem consegue perceber porquê?
Embora tente manter a sanidade não acho que seja possível porque um ser humano é uma um ser relacional e não pode viver isolado.
As outras naves que partiram na mesma missão em que eu parti não mandam notícias. Acho que a Base me oculta o seu sucesso e me tenta dopar com a ignorãncia até eu desaparecer no infinito do espaço.
Quando imagino se as coisas podem ficar piores imagino que ficarem piores é tudo continuar igual.
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