segunda-feira, setembro 13, 2004

Coluna no Fórum Downforce



Hora: 6h45m.

Local: Milão, 9 de Setembro de 2004.

O alarme do telemóvel toca desalmadamente. E nestas alturas de indecisão os dois habitantes da minha cabeça começam a falar um com o outro. O Tico diz para o Teco "Este gajo tem de acordar! Não pode continuar na cama, os carros estão à espera dele!" e o Teco replica com "Aproveita! Está tão bom aqui. Porque não ficar mais tempo na cama?", mas o Tico volta a insitir "Se a italiana que está do outro lado da parede estivesse aqui com ele eu concordaria contigo... neste caso, não". E nem foi preciso o Tico me mandar a bigorna que já tinha entre mãos. Segui o seu conselho. Levantei-me e até sair rumo a Monza não demorei muito tempo.

O dia acordou cinzento e numa cidade poluída e longe do mar como esta se calhar nunca terei a oportunidade de ver um céu azul, aquele azul forte à FC Porto. O azul que se vê com muita frequência nos céus de Lisboa ou do Funchal.

É sexta-feira, dia de trabalho e nota-se bem isso nas ruas. Com o meu andar apressado e decidido passo bem como mais um italiano. Dei uma olhadela pelo mapa antes de sair. Sei bem por onde devo ir. Não gosto de parecer turista. O mapa está na mochila e só sairá de lá se me perder. Não gosto de ser turista. Quero ser mais um. O meu sotaque italiano precisa de ser trabalhado mas de boca fechada passo bem despercebido.

Perdi o comboio em que tinha pensado ir e atrasei umas duas horas porque não descobri mais nenhum que me servisse. Mas daria para ver a segunda sessão de treinos dos F1. A primeira sessão estava completamente posta de lado. Impossível.

A Lombardia é uma zona rica de Itália. O automobilismo é só mais um ovo dentro de um cesto cheio deles.

Chegado à cidade de Monza, o objectivo que se colocava a seguir era ir para o circuito. No dia da corrida existem comboios e a viagem é gratuita até à cidade. Um amigo italiano tinha-me dito que o autódromo fica um pouco afastado da cidade e que não haveria, em dias normais, facilidade de transporte para lá. Mas estes não são dias normais. O circuito mais carismático do mundo recebe a F1 neste fim-de-semana e a organização colocou autocarros permanentemente a fazer a ligação entre a estação de comboios e o parque onde está inserido o circuito. Um parque lindíssimo totalmente murado em volta.

No caminho para lá e no meio do trânsito passou por nós uma ambulância em marcha de emergência e alguém no autocarro grita Hurry up! Montoya is waiting for you! Toda a gente começou a rir. Felizmente não tinha havido nenhum acidente nos primeiros treinos livres.


Da esquerda para a direira: estação de Monza, parque de Monza e estátua junto ao Padock.

O autocarro deixa-nos ainda longe do circuito e o resto terá de ser percorrido a pé até lá. Devem ser uns dois ou três quilómetros até à recta da meta e é aí que me apercebo que estou na Catedral De Monza. O meu coração começou a bater mais forte. Aquele bater forte característico da primeira vez. E tudo tem uma primeira vez e esta era a minha primeira vez em Monza. Era a minha primeira vez. Era a minha primeira vez. Era a minha primeira vez. Era a minha primeira vez. ERA A MINHA PRIMEIRA VEZ. Estava sempre a pensar nisso. Estava feliz. Nem um benfiquista ao meu lado me conseguiria tirar o sorriso da cara nem a boa disposição.

Era uma verdadeira peregrinação. Há sítios assim. Gosto de me pensar como ateu mas se calhar até nem sou. Qual é a diferença entre qualquer um daqueles que tal como eu se dirigiam para a pista e um peregrino num sítio religioso e sagrado? Nenhuma. Tal como um peregrino eu caminhava para ver um espectáculo. Era a minha fé. Só mesmo a minha fé no automobilismo para me fazer andar daquela maneira sem ao menos parar um pouco para observar a paisagem. E aquilo que estava à minha volta era bem bonito mas ficaria para apreciar na volta porque na ida os meus olhos não se conseguiam concentrar em mais nada a não ser no caminho à minha frente e nem havia italianas a menos de cinco metros. Era pura fé.

Como andam esses carros de F1. Era impossível enquadrá-los para tirar uma fotografia. Eles eram muito rápidos a passar na recta de partida e de chegada. Nada feito. E como fazem barulho. Os ouvidos doem e nem estava muito perto da acção.

No fim do treino os adeptos nem estavam a chamar pelo Schumacher. Estavam a chamar pelo Rubens. Ele saiu do carro, tirou o capacete e acenou. Foi o delírio total. Contaram-me que ele fala italiano, que ele faz publicidade em italiano e que o Schumacher não fala uma palavra de italiano. Bem, não seria bem assim já que parece-me que há uns anos o alemão fez uma publicidade para a FIAT de um carro muito feio que nem me lembro o modelo, apenas sei que era feio e no fim ele soletrava umas palavras na língua dos romanos. Muita gente acha o alemão arrogante. Eu não acho. Sou fã dele mas por ser fã dele não procuro diminuir o valor dos adversários nem de outros pilotos que já não correm na F1. Não tenho essa necessidade neurótica felizmente.

Estava cercado de alemães. Os alemães eram como os italianos, bons construtores de carros mas fornecedores modestos de pilotos e em dez anos mudaram. Tiraram a barriga das misérias.


Da esquerda para a direita: Fernando Alonso, Rubens Barrichello, o pódio onde Rubens comemorou a vitória faz sombra nas boxes da Ferrari.

Nos altifalantes o animador italiano dividia as informações com um canastrão em língua inglesa.

Os treinos acabaram e era tempo de conhecer o resto do circuito. Queria ver tudo o que pudesse da pista.

Entretanto os F3000 começaram a vir para o circuito. Este foi o último fim-de-semana da categoria mas eu nem sabia que eles entrariam logo após a F1. Eu não sigo a 3000 e já não vejo uma corrida há séculos. Queria aproveitar a possibilidade de ver a pista.

Encontrei nas curvas de Lesmo umas caravanas e uns tipos sentados a verem um vídeo antigo em que o Senna era o protagonista. Estavam concentradíssimos no vídeo e nem ligaram para os fórmulas 3000 que infernizavam o circuito naquela hora. Fiquei a ver também o duelo Senna X Ceccoto e aproveitei também para descansar um pouco.

Queria acabar a minha peregrinação dando a volta ao circuito. Não me deixaram ir para o interior da Parabólica. O meu bilhete de simples assistente não me permitia.


Da esquerda para a direita: parte da antiga oval, Recta Oposta e Parabólica.

Fora desta realidade havia gente fora do circuito que nem se interessava por automobilismo. Não estavam ali por causa do Grande Prémio. Pessoas que vão fazer a sua volta de bicicleta ou pessoas que vão para os bancos de madeira para lerem um livro ou o jornal ou então escreverem qualquer coisa. O parque é um paraíso. Se não for por causa da F1 voltarei aqui só para estar a passear nestas florestas.

Não vale a pena esconder-me no meio do mato para a corrida de domingo. Não teria problemas nenhuns em dormir em cima das folhas mas existem infinitas barreiras dentro do circuito. Para chegar a cada bancada são meia dúzia de postos de controlo. Não basta simplesmente estar dentro do circuito. Teria de dormir nas bancadas e no sítio onde queria assistir ao GP.

No caminho de volta sim. Parei para assistir a outro espectáculo. À paisagem do parque. Que belo. O caminho de volta. Tinha acabado o que era doce. Passaram depressa aquelas horas em volta do circuito.
Arrivederci. A presto.

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